Revista Manutenção

O número caraterístico de uma chumaceira de escorregamento e a Tribologia

O número caraterístico de uma chumaceira de escorregamento e a Tribologia

A tribologia apresenta-se como a ciência e tecnologia das superfícies interatuantes e em movimento relativo, e das matérias e métodos com elas relacionados.

Esta perspetiva surge após a segunda grande guerra mundial, nomeadamente com o grande desenvolvimento a nível tecnológico e com a ocorrência de avarias significativas provocadas por desgastes na maquinaria industrial. De facto, foi em 1964, numa Conferência sobre Lubrificação em Obras de Ferro e Aço organizada pelo Grupo de Lubrificação e Desgaste da Instituição de Engenheiros Mecânicos e do Instituto do Ferro e do Aço em Inglaterra, que foi revelada a magnitude deste problema e a constatação da sua ocorrência à escala internacional.

Os elevados prejuízos económicos resultantes das falhas levaram a que o governo do Reino Unido nomeasse um grupo de trabalho, liderado por Peter Jost, para estudar o assunto e especificar medidas corretivas. Em 1966, este grupo divulgava o chamado “Jost Report”, onde era apresentado pela primeira vez à comunidade científica e industrial o termo “Tribologia”, sendo referido nesse relatório que, à data, se poderiam poupar no mínimo cerca de 515 milhões de libras por ano se fossem implementadas algumas práticas, evitando-se assim a ocorrência deste tipo de falhas mecânicas em superfícies técnicas.

Este valor era exclusivamente derivado de falhas ao nível das técnicas de lubrificação e dos métodos de manutenção praticados, bem como das próprias conceções de projeto, indicando que a poupança anunciada podia ser especificada e repartida da seguinte forma (Sobral, 2022):

  • Economia em reparações e substituições de peças – 45%;
  • Redução de prejuízos consequentes das avarias – 22%;
  • Aumento da vida útil dos ativos – 19%;
  • Diminuição de perdas energéticas por atrito – 9%;
  • Outras economias (lubrificantes, mão-de-obra, entre outros) – 5%.

Esta constatação fez com que se tivesse estabelecido, nessa altura, uma nova disciplina ou ciência que integrava o conhecimento em várias áreas científicas do conhecimento, como a mecânica, a metalurgia e a química, entre outras, estando assim lançadas as bases para um novo ramo do saber em engenharia – a “Tribologia”.

Esta disciplina é, por isso, caracterizada pelo seu aspeto multidisciplinar, tal como se pode indicar nos seus domínios mais importantes:

  • Materiais – pela seleção das melhores combinações para os materiais dos pares cinemáticos, os revestimentos, os polímeros ou os materiais cerâmicos e refratários, de elevada resistência ao desgaste e ao calor, e grande estabilidade dimensional;
  • Contacto – tendo em consideração a forma física do contacto, ou seja, o tipo de par cinemático (inferior ou superior), o tipo de movimento relativo (escorregamento, rolamento ou ambos) e a existência de um lubrificante entre as superfícies de contacto (contacto lubrificado ou contacto seco);
  • Estado geométrico e metalúrgico das superfícies – mais concretamente quanto à influência da rugosidade superficial e à sua própria composição química, no comportamento tribológico do par cinemático;
  • Controlo do atrito e do desgaste – considerando que em muitas aplicações o maior objetivo passa pela redução do atrito e consequente minimização do desgaste, normalmente conseguido por um processo de lubrificação, complementado com uma preparação prévia das superfícies interatuantes e eventual aplicação de adequados tratamentos de superfície;
  • Tipos e métodos de lubrificação – analisando os vários modos para criar e manter uma película lubrificante na interface das superfícies interatuantes, assim como os tipos ou mecanismos de lubrificação, ou as várias formas de realização tecnológica capazes de fazer chegar o lubrificante aos pontos críticos. Relativamente a tipos e métodos de lubrificação refira-se a lubrificação hidrodinâmica, a lubrificação hidrostática, a lubrificação elasto-hidrodinâmica, a lubrificação limite (ou de camada limite) e a lubrificação sólida;
  • Lubrificantes – sendo mais uma área ou domínio de investigação, nomeadamente quanto à sua obtenção e produção, os seus tipos básicos (óleos minerais e sintéticos, massas lubrificantes ou lubrificantes sólidos), as suas propriedades (por exemplo: viscosidade, untuosidade, consistência) e os seus aditivos;
  • Controlo de condição – através da análise dos óleos em serviço, visando o controlo da ocorrência de alterações das propriedades físico-químicas do lubrificante e a verificação e caraterização das partículas metálicas de desgaste em suspensão no seu seio.

Assim, considerando a ciência e a tecnologia das superfícies interatuantes e em movimento relativo, e das matérias e métodos com elas relacionados (Tribologia) existe uma série de características que devem ser consideradas, que ajudam a perceber determinados fenómenos ligados ao desgaste e à falha dos ativos físicos.

José Sobral
jsobral@dem.isel.pt
Departamento de Engenharia Mecânica, Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), Centro de Engenharia e Tecnologia Naval e Oceânica (CENTEC),
Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, CIMOSM, ISEL – Centro de Investigação em Modelação e Optimização de Sistemas Multifuncionais, Instituto Politécnico de Lisboa

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